Quando ela se for...
sentirei
tristeza, saudade, respiro, culpa, medo.
sentirei—eu sei,
já antevejo.
Tantos sentimentos misturados
ao olhar o dia que virá.
Tristeza que já se antecede
ainda que escrita em todos os seres.
O dizer "até", o dizer "adeus"…
O dia, é certo, virá.
Pesar que me habita desde a infância,
quando, no desespero do pensar,
clamava ao Supremo:
"Primeiro eu, primeiro eu,
não quero ser só, estar só."
Mas agora, sou eu quem fica.
Sou eu quem vela.
Quem segura o tempo entre os dedos,
enquanto ele escapa
pelos olhos melancólicos, pela pele fina
Quando ela se for,
sentirei.
Como dizer "até", dizer "adeus"
a quem por mais tempo amei,
a quem por mais tempo me amou,
ainda que não o soubesse dizer?
Mesmo em seus arroubos
narcísicos, aflitos, desesperados—
e ao mesmo tempo, dedicados.
É confuso, eu sei,
mas com o tempo aprende-se
a enxergar o amor nos detalhes.
E eu os vi,
em tantos momentos e gestos.
ao tornar-se a Deus,respiro
a ausência pesa, pesará—
tanto quanto os grilhões invisíveis
que apertam o pulso
aos arcos adornados da gaiola aberta,
construída e revestida, dia a dia,
de prazer, de dever, de dor, de silêncios
e misturas de pensamentos
dela vejo o mundo,
mas poucos—muito pouco—me veem.
Culpa de querer expandir os quereres,
os horizontes, os céus,
as possibilidades,
até dos sentidos,
e dos sentimentos misturados.
Mas resigna-me o permanecer até o fim,
não importa o medo, o cansaço,
a dor e sentidos—sempre ocultados.
Mas será que pássaros engaiolados,
ao serem soltos, ainda sabem voar?
Temem o novo, sem porto, sem ninho?
Saberão viver sem grilhões,
abraçar os céus e os ventos,
ou, perdidos, voltarão aos arcos
já não adornados,
incompletos para sempre?
Quando ela se for...
Sentirei - eu sei.